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Brasil

Ausência de ruptura com ditadura militar é responsável por democracia frágil

07 de março de 2022 - 08h47

Um pequeno teste

 

Por Manoel Cyrillo de Oliveira Netto

31 de março de 1964, golpe militar. Perdemos muito, sofremos demais, nos enlutamos. Mas, por outro lado, lutamos, resistimos!

Para você, não-negacionista e que admite o golpe, sugiro um teste, algo simples. Aqueles que concordam em participar, devem responder a uma única pergunta de múltipla escolha, apenas uma.

Você está nesta? Participa? Então, vamos lá!

Pergunta única: Quando a ditadura militar saiu de cena?

Assinale a alternativa correta:

  1. A ditadura se encerra com a eleição e subsequente posse de um presidente civil. E, é importante que se frise, sem que o último dos generais presidentes passasse a faixa presidencial para o recém empossado. E o general Figueiredo sai do palácio pela porta dos fundos.
  2. A ditadura chega ao fim com o desembarque no país de levas e mais levas de exilados, quadros de todo o espectro político, um pessoal que fora perseguido, reprimido, muitos presos.
  3. O fim da ditadura é sacramentado pela Anistia Política, com a abertura dos portões das cadeias e a libertação dos presos políticos, todos soltos e todos podendo voltar à ativa.
  4. O ocaso da ditadura militar acontece, formalmente, com o término dos trabalhos constituintes e a entrada em vigor da Constituição Cidadã – ditadura nunca mais!
  5. A ditadura chega ao fim com a eleição direta para presidente da República.

Bingo!

E aí, saiu-se bem no teste? Respondeu com facilidade? Deu a sua resposta com convicção?

Porém, e sempre tem um porém (como sabiamente dizia o Plínio Marcos), você conhece ou soube de alguém que possa ter cravado outra das alternativas, uma resposta diferente da sua? Será que isto seria possível?

Minha opinião

Para mim, cada uma e todas as alternativas aqui apresentadas deve ter tido pelo menos um votinho. Garanto! Em termos nacionais, cada uma das possibilidades de resposta, acho, teria milhares e milhares de votos.

Mas, para acabar com este achismo, bom seria que fizéssemos uma rigorosa pesquisa de opinião sobre o caso – um crowdfunding tiraria esta solução da gaveta, não é mesmo?

Bem, enquanto isto não acontecer, eu continuo achando que cada alternativa daquelas teria um bom número de votos.

Você discorda? Então sugiro que apresente este teste em uma roda de amigos, de parentes, de colegas de escola ou de trabalho. E, na roda, contabilizem as respostas obtidas e depois me contem o resultado.

A história registra que no dia 26 de abril de 1.500 foi rezada a Primeira Missa em Pindorama. A Lei do Ventre Livre foi promulgada em 28 de setembro de 1.871. Um pouco antes, em 18 de março do mesmo ano de 1.871, eclodia a Comuna de Paris. No dia 6 de agosto de 1.945, o império americano assassinou mais de 140 mil moradores de Hiroshima (ninguém sabe ao certo o número de mortos…).

Estes são episódios registrados pela história. No nosso caso, nunca ocorreu a ruptura da ditadura, nossa história não registra este episódio. E, sem registro histórico preciso, não é história, é estória.

Estória, sacrilégio!

É dogma ou lenda que a “nossa frágil democracia vinha sendo aprimorada gradativamente” ou que determinado feito “consolidava mais e mais a nossa jovem democracia”. Insisto: quando rompemos com a ditadura? A segurança pública foi democratizada? A mídia e toda a máquina de comunicação da ditadura foi democratizada? E a Justiça foi? As Forças Armadas foram? Aconteceu a justiça de transição?

Minha tese: não fomos democratizados, fomos institucionalizados.

O artífice desse passe de mágica  foi o general Golbery do Couto e Silva, com a singela colaboração de nossas elites.

Golbery foi o teórico do golpe. No seu livro Geopolítica do Brasil, publicado pela Biblioteca do Exército, Golbery mostrava que – diante do quadro de guerra fria vivido à época – seria vantajoso para o Brasil ter um “governo forte”, capaz de definir e concretizar os “objetivos nacionais permanentes” – objetivos, é óbvio, definidos pelo governo forte, por eles e apenas por eles.

Para Golbery, estes objetivos nacionais permanentes poderiam, também, ser condensados em dois, a “segurança” e o “desenvolvimento”.

A ideia, como garantir o desenvolvimento, como assegurar um verdadeiro milagre econômico? Simples, pela segurança… segurança era o eufemismo para camuflar a palavra repressão, para o “pau neles”.

Pau nos inimigos internos, pau nos maus brasileiros que perturbassem ou dificultassem a concretização dos objetivos nacionais permanentes. Isto é, críticos e/ou opositores do governo forte seriam enquadrados como inimigos internos.

Bem, de uma doutrina como esta para a ditadura escancarada, bastaram duas ou três tentativas e, por fim, a retumbante vitória golpista. Tamanho foi o sucesso da quartelada que não se fez necessária nem a intervenção da 4ª Esquadra do grande irmão do norte.

Detalhe picante: onde e a partir de quando Golbery forjou estas ideias? Pasmem, sua teoria nasceu em seus cursos, suas aulas e palestras na ESG – Escola Superior de Guerra, entre os anos de 1.952 e 1.958, em plena ordem democrática – pobre Getúlio, pobre JK, e pobres de todos nós.

Nós quem, os institucionalizados?

Sim, nós os institucionalizados. No mesmo livro Geopolítica do Brasil, Golbery, com sua linguagem gongórica, também apresentava a tese do perigo de uma “inflexão da curva”. Deus do céu, que catástrofe seria esta?

Em linhas gerais, sua “inflexão da curva” era a seguinte: na vigência de um governo forte, quanto maior for a segurança, quanto mais repressivo for o regime, maior será o desenvolvimento.

Em termos gráficos, isto poderia ser expresso por uma curva ascendente, linda, virtuosa. Porém, se o governo forte exagerasse na segurança, se a sua política repressiva fosse excessivamente violenta, poderia ocorrer a tal inflexão da curva… e tudo estaria perdido, o regime desmoronaria, tudo viria por água abaixo.

E o grupo Geisel/Golbery acreditava que Médici, o carniceiro, estaria cometendo este erro. E, poderia pôr tudo em risco…

Na guerra de foice que deve ter acontecido – na surdina – entre os golpistas, o bando Geisel/Golbery veio a ser definido como o sucessor de Médici.

Tão logo houve esta definição, Golbery ganhou um escritório no Largo da Misericórdia, na cidade do Rio de Janeiro, de onde planejaria o futuro governo Geisel e, também, a melhor forma de implementá-lo.

Inovador e criativo como sempre, Golbery concebeu uma nova ferramenta de venda de suas ideias. Todas as tardes, ele recebia os mais conceituados “comentaristas políticos” de sua grande imprensa para um café.

Saboreando um cafezinho com brioches, todos ouviam, embevecidos, as considerações, ideias e divagações da “fonte” e, corriam às suas redações com o furo. E, na edição seguinte, era divulgado exatamente aquilo que interessava ao general. Aliás, algo muito similar ocorreu com a Lava-Jato (em nossa era virtual, o cafezinho foi cortado) não é mesmo?

Em um desses encontros, Golbery trouxe à baila uma preocupação sua. Há 50 anos (isto naquela época) o México havia feito uma revolução. E aquela revolução criou o seu partido, o PRI – Partido Revolucionário Institucional.

Pois bem, desde então, vencendo sucessivas eleições nacionais, o PRI ainda comandava o México. E ele dizia, o Brasil deveria estudar com carinho o “Caminho Mexicano”. Para viabilizar a sua abertura política, qual instrumento os golpistas poderiam utilizar para manter-se no poder pelos próximos 50 anos?

Um belo dia, já no exercício do governo, a dupla Geisel/Golbery chama ao palácio o senador Petrônio Portela, líder da Arena. Naquele dia seria criada a Missão Portela. Tarefa da Missão Portela: encontrar o Caminho Mexicano para o Brasil.

A partir dali, a mídia impressa somente falava da Missão Portela, de seus passos, de suas iniciativas. Certo dia, surge uma notícia que ocuparia toda a primeira página: “Missão Portela visita o Doutor Roberto Marinho”.

No texto, a íntegra do release, “…na busca por encontrar o Caminho Mexicano para o Brasil, a Missão Portela reuniu-se com o Doutor Roberto… etc. etc.”. Ilustrando a matéria, Roberto Marinho aparecia sentado ao lado do senador Portela em poltronas individuais.

Passado mais alguns dias, novas bombas, novas manchetes: Missão Portela encontra-se com o Dr. Ulisses Guimarães; Missão Portela encontra-se com Dom Paulo Evaristo Arns e etc. etc. etc.

Afirmo: sim, a Missão Portela encontrou o Caminho Mexicano para o Brasil! E, mais tarde (?), o país veio a ser institucionalizado.

Por que mais tarde?

-“General, por que o senhor e o general Geisel não democratizam imediatamente o país e ficam com esta glória?”, perguntou um jornalista.

-“Não, meu filho, a revolução precisa de mais um mandato presidencial. Com este novo mandato, nomearemos os dois outros ministros do STF que, assim, teria toda a sua composição indicada pela revolução”, responde Golbery com sabedoria marota.

Na administração golpista seguinte, a do General Figueiredo, o Golbery veio a ser o ministro Chefe da Casa Civil…

O Pacto

Diferentemente do México, onde um partido, o PRI, garantiu 50 anos de poder, no Brasil seria uma geleia geral de partidos (as exceções são os partidos de esquerda) juntamente com os Homens do Caminho.

O nome “Homens do Caminho” é uma invenção minha. Uma sugestão.

Os Homens do Caminho formam uma sociedade secreta e invisível, não formalizada, sem carteirinha ou uniforme, mas que manipula todos os cordéis do poder nacional, inclusive o 4º poder, zelando pelas práticas e políticas retrógradas, elitistas, excludentes e atrasadas. Um exemplo de sua atuação: soterraram essa história de Missão Portela. Evaporou.

Ainda durante a última administração militar, veio a Campanha pela Anistia, que não foi nem ampla, nem geral e muito menos irrestrita, mas anistiou os criminosos da ditadura.

Veio a linda Campanha das Diretas que desemboca na eleição indireta. Ocorreu a morte de Tancredo (esta, não por acidente aéreo), foi empossado o Sarney, vice de um não empossado… Sarney chama uma Constituinte, eleita sob as leis vigentes, as leis da ditadura.

A Constituição Cidadã entra em vigor, sem a convocação de nova eleição para o Congresso Nacional. E viva a democracia!

Na sequência, vieram os governos Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula. Collor, foi impichado. Lula, depois de superar os obstáculos Lubeca e Celso Daniel, para garantir a posse, assina a Carta aos Brasileiros, onde se comprometia a cumprir todos os contratos e, nas entrelinhas, não afrontar aos Homens do Caminho.

Mesmo assim, aconteceu o Mensalão, onde foram abatidos quadros importantes, como o Zé Dirceu ou o Genoino. Depois a Dilma seria eleita e reeleita e… pau! Ela e todo o PT são descartados. E viva a democracia!

Dona Marcela que me perdoe, mas nem citarei o Temer. Hoje, com o tenente Jair Messias (um terrorista que queria explodir quartéis e detonar a Represa de Guandu), vivemos sob um governo de militares e milicianos. Com aviões da presidência traficando cocaína…

Por falar nisso, será que o general Heleno já teve tempo de descobrir quem comprou e pagou por aquela remessa exportada?

E, enquanto isso, o povão que se defenda por conta própria da enxurrada e da avalanche antipopular.

Por estas e outras, não concordo que venceremos os Homens do Caminho ganhando a eleição para chefia do executivo federal, seja quem for o vice do vitorioso. Por que insistir no mesmo erro? E tem mais, a guerra suja vai corromper a eleição majoritária.

Para a presidência, deveríamos lançar um anticandidato. Apenas nos livraremos dos Homens do Caminho (sejam os civilizados ou os da extrema-direita), ocupando as ruas e praças de todo o país, conquistando a maioria no Congresso Nacional e acumulando forças para chamar uma Constituinte. Soberana.

 

Manoel Cyrillo de Oliveira Netto é publicitário, resistiu à ditadura militar, foi guerrilheiro urbano da ALN (Ação Libertadora Nacional), participou de várias ações armadas, entre elas a captura do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Preso político, permaneceu encarcerado por 10 anos. Fora da prisão, ganhou a medalha de ouro com a peça publicitária Çuikiri no 37th New York Festivals Advertising Awards, o Festival Internacional de Propaganda de Nova York, e foi recebê-la nos Estados Unidos em 1991


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