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SEGUNDO TURNO

Colômbia elege presidente neste domingo e relação de subordinação aos Estados Unidos pode ser rompida

O candidato da esquerda, Gustavo Petro, e o empresário direitista Rodolfo Hernandez disputam o segundo turno neste domingo

18 de junho de 2022 - 10h37

Do Respice Polum ao Colômbia cresce – Domingo o país decide qual a relação que deseja com os Estados Unidos

 

Por James Onnig

A disputa entre o progressista Gustavo Petro e o representante da extrema-direita Rodolfo Hernandez traz a possibilidade de um novo caminho para a Colômbia com a vitória do candidato da esquerda neste domingo,19.

Petro, de ligações históricas com o socialismo, foi prefeito de Bogotá (2012-2015), é senador e luta por justiça social, democratização da posse da terra e taxação de grandes fortunas.

Hernández usa o mesmo discurso de Donald Trump. Se diz um “não-político” mesmo tendo sido prefeito de Bucaramanga (2016-2019). Cresceu na eleição graças ao desgaste da direita tradicional, a falência do modelo neoliberal e do “uribismo” (referente a Álvaro Uribe, presidente entre 2002-2010).

A política externa tem considerável espaço nas eleições. A discussão gira em torno das relações que os candidatos terão com Washington. Neste assunto Petro é claro: rever imediatamente as relações com os Estados Unidos. Grande parte do empresariado combate essa proposta e o motivo é um só: o alinhamento com os Estados Unidos é um dos pilares do poder da direita no país.

Esse alinhamento construído ao longo do século 20 superou o estremecimento quando Washington apoiou o movimento separatista do Panamá, interessado no controle do canal. Logo após a Guerra Civil dos Mil Dias entre 1899 e 1903, já existia um representante do governo colombiano em Washington em 1905 para solucionar as pendências dessa guerra.

Em 1914, por meio do Acordo Urrutia-Thompson, os Estados Unidos se comprometeram a indenizar a Colômbia em US$ 1 bilhão (valor convertido para nossos dias) como compensação pela separação do Panamá.

Um dos maiores defensores desse acordo foi o senador conservador e depois presidente, Marco Fidel Suarez (1856-1927). Em 1914 ele disse: “…o norte de nossa política externa deve estar lá, naquela nação poderosa que mais do que qualquer outra exerce atração decisiva e tem o respeito de todos os povos da América. Nosso lema deveria ser Respice Polum, ou seja, não percamos de vista nossas relações com a Grande Confederação do Norte…”

Seu governo entre 1919-1921 imprimiu o Respice Polum (olhemos para o norte) na política externa colombiana até meados dos anos de 1960.

Entraves político-burocráticos e a eclosão da  Primeira Guerra Mundial (1914-1918) retardaram o pagamento da indenização. Em 1923, o governo colombiano contratou Edwin Kemmerer, economista e consultor norte-americano que organizou o sistema financeiro e o Banco Central acompanhando padrões estadunidenses. Setores chaves da economia colombiana, estavam sob domínio de grandes conglomerados norte-americanos já nos anos de 1930 e daí em diante foram décadas de atrelamento total.

Em 1953 um golpe militar, justificado pelo fantasma do comunismo nos moldes do macartismo, visou conter manifestações populares que cresceram com a deterioração das condições socioeconômicas e das liberdades políticas.

Na “redemocratização” em 1958 o país passou a ser controlada pela direita dividida em dois setores, um mais liberal e outro conservador até meados dos anos de 1960.

De 1966 a 1978, o então chanceler e futuro presidente Lopes Michelsen contrapôs o Respice Polum com o Respice Similia (olhe para o semelhante) e trouxe a Colômbia mais para perto dos países em desenvolvimento aproveitando o movimento dos não alinhados e a distensão na Guerra Fria.

Isso foi interrompido no governo Turbay Ayala (1979-1982) quando a Colômbia se negou a apoiar a Argentina nas suas reivindicações durante a Guerra das Malvinas em 1982, nitidamente por pressões de Washington.

No começo dos anos de 1970 a situação da Colômbia se deteriorou ainda mais. A entrada de produtos agroindustriais dos Estados Unidos devastou a pequena produção familiar e gerou um acelerado êxodo rural.

Foi assim que cartéis do narcotráfico encontraram espaço social para as drogas. Utilizando antigas rotas de contrabandistas de esmeraldas, passaram a escoar o produto para portos e aeroportos que graças a posição estratégica, com saída tanto para o Atlântico quanto o Pacífico, puderam abastecer o leste e o oeste dos Estados Unidos.

Alternando períodos de independência e subordinação aos Estados Unidos, a Colômbia passa a figurar na chamada “Guerras às Drogas” instaurada pelo presidente Richard Nixon em 1971. Em 1981 Ronald Reagan (1981-1989) inseri o combate as drogas na segurança nacional.

Lewis Tambs, então embaixador dos Estados Unidos na Colômbia, organizou um dossiê que de forma nebulosa associava as guerrilhas de esquerda com o narcotráfico, justificando maiores investimentos contra um perigo duplo: a cocaína e o comunismo.

Foi em 1999 no governo Clinton (1993-2001) que surgiu o Plano Colômbia. Consultores militares e ajuda de US$ 10 bilhões em 15 anos apoiaram as forças colombianas no combate às guerrilhas e ao narcotráfico. De eficácia duvidosa, esse plano somente fortaleceu as posições geopolíticas dos Estados Unidos.

Em 2009, Uribe e Obama assinaram um acordo militar que franqueava o uso de sete instalações militares colombianas para o uso de tropas especiais norte-americanas em plena evolução da crise com o governo bolivariano da Venezuela. São elas: Cartagena e Malambo no norte, Palanqueiro, Aplay e Tolemaida no centro, Três Esquinas no sul e Baia Málaga no litoral Pacífico.

Em 2020, os Estados Unidos transferiram US$ 5 bilhões através do Programa Colômbia Cresce. Desde então militares norte-americanos são vistos constantemente em Cúcuta e Catatumbo, bem na fronteira com a Venezuela.

Se Petro vencer as eleições deste domingo terá que superar contradições de campanha expressas por críticas desmedidas aos governos de Cuba, Nicarágua e Venezuela. Se Hernandez vencer pode-se esperar qualquer coisa, até um acordo de paz com o governo Maduro.

O clima no país está muito tenso. Nos últimos meses centenas de lideranças populares vêm sofrendo atentados, sendo assassinadas e encarceradas arbitrariamente. Pelo jeito, lá também teremos as eleições mais importantes da história.

 

James Onnig é professor de Geopolítica da Facamp (Faculdades de Campinas)


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