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NEO-EURASIANISMO

Dugin ganhou destaque ao introduzir ideias nas Forças Armadas russas com colapso da União Soviética

Alexander Dugin defende o Neo-Eurasianismo, que prevê a expansão do domínio territorial da Rússia

04 de junho de 2022 - 11h20

Quarta Teoria Política, Neo-Eurasianismo? Dugin para iniciantes

 

Por James Onnig

Nos últimos tempos um efervescente debate sobre as ideias do intelectual russo Aleksander Gelyevich Dugin vem chamando a atenção. Já orientei excelentes pesquisas sobre o Neo-Eurasianismo defendido por ele. A ideia é fazermos uma breve viagem pelas ideias no tempo e no espaço.

Nos lembra Angelo Segrillo que embates no século 19 entre pensadores russos ocidentalistas e eslavófilos estavam acalorados. Os ocidentalistas insuflados por Pyotr Chadaeev (1794 – 1856), veterano das Guerras Napoleônicas (1803-1815), defendiam a modernização da Rússia nos moldes dos países industrializados da Europa. Denunciavam a tragédia social de uma Rússia arcaica e obscurantista.

Os eslavófilos eram maioria e caracterizavam enfaticamente a Europa como uma civilização decadente.
Venceram os eslavófilos inaugurando o Eurasianismo russo. Alguns eurasianistas defendiam inclusive que a Revolução Bolchevique iria consolidar essa identidade.

Essas ideias reapareceram definitivamente nos anos de 1980 de dentro da intelligentsia soviética através dos trabalhos do etnólogo Lev Gumilev (1912-1992). Dugin seria seu principal herdeiro intelectual.

A crise soviética catalisou também o ressurgimento de movimentos nacionalistas através de periódicos e grupos “culturais” de caráter duvidoso, entre eles o Pamyat. Seus membros se dedicavam ao estudo e preservação da arquitetura e monumentos tradicionais russos. Conforme a crise se ampliou nos anos de 1980, a verdadeira face do Pamyat apareceu.

Todos os indícios levam a crer que neste grupo se abrigaram nacionalistas e monarquistas russos que em 1985 já não escondiam seu chauvinismo e nem mesmo seu antissemitismo criminoso. Dugin foi um jovem membro do Pamyat naquele período.

Gradualmente o termo Neo-Eurasianismo foi ganhando espaço e se popularizando com os trabalhos do jovem intelectual Dugin. É curioso notar que borbulhavam novos partidos diametralmente opostos no espectro político, como liberais e novos comunistas e ambos se ancoravam no Neo-Eurasianismo.

Dugin também despontou como uma das novas lideranças de oposição ao governo de Boris Yeltsin (1991-1999). Sua intensa atividade política favoreceu muito a disseminação de suas ideias.

Dugin, através do círculo social de seu pai, militar de carreira, introduziu seus trabalhos entre altas patentes das Forças Armadas russas. Em 1997 seu livro, Bases da Geopolítica, foi adotado nos cursos da Academia do Estado-Maior das Forças Armadas Russas recomendado pelo então ministro da Defesa Igor Rodionov, fervoroso defensor da ideia de que as rivalidades da Guerra Fria permaneciam e que os gastos militares deveriam ocupar o centro de toda a vida geopolítica russa.

Anos mais tarde, Dugin foi convidado a lecionar nessa prestigiosa academia militar. Daí vem a impressão generalizada de sua influência nas altas esferas do Kremlin e suas ideias serem um dos nexos estruturais da geopolítica russa. Uma coisa é certa, Dugin fortalece sua imagem de intelectual influente no mesmo período que Putin chega ao poder nos anos 2000.

Dugin e seu Neo-Eurasianismo trazem elementos de fora da esfera russa. É visível a influência do ideólogo da Nova Direita Francesa, Alain de Benoist, que propõem um combate ao processo de globalização que, segundo ele, atende as elites mundiais.

Benoist é também um feroz crítico do multiculturalismo e seus trabalhos são constantemente citados por neofascistas na Europa Ocidental, onde as ondas de refugiados e imigrantes, oriundas de crises humanitárias severas nos países pobres, são uma “mercadoria” eleitoral.

Um outro referencial é a atuação política do belga Jean-François Thiriart (1922-1992). Suas concepções nacionalistas ganharam expressão nos anos de 1960 quando lançou uma frente de extrema direita para combater o processo de descolonização afro-asiático, com a veemente defesa dos interesses belgas na África subsaariana. Com um viés marcadamente pan-europeu, pregava a união do continente contra a influência dos Estados Unidos.

Depois de idas e vindas dentro do campo da direita europeia, Thiriart se afastou das articulações políticas. Após a morte de um militante pan-europeu antissionista, Roger Coudroy, que combatia ao lado das forças palestinas em 1968, Thiriart se aproximou de Yasser Arafat e de toda a cúpula da Fatah, um dos principais braços da OLP (Organização para Libertação da Palestina) atuando como uma espécie de conselheiro.

Dugin defende que ao superar o liberalismo, comunismo e fascismo, o Neo-Eurasianismo seria a base de uma Quarta Via Política. Essa seria a doutrina que atende de forma muito particular às aspirações políticas russas. Em suas próprias palavras: “Nossas ideias estão ligadas as raízes mais profundas da história russa. Somos uma civilização original. Não somos somente europeus ou somente asiáticos, somos os únicos eurasiáticos. Por isso que nossas metas políticas não devem coincidir com a tradição ocidental europeia”

A figura de Dugin vem chamando a atenção pela situação geopolítica mundial. Ele sempre explicitou que as lideranças russas não podem deixar de levar em conta a possibilidade de expandir os domínios territoriais para salvaguardar o país, inclusive suas tradições religiosas e culturais e enfrentar os Estados Unidos.

Seria um confronto inevitável entre a maior das Telurocracias (de telúrico, referente a terra) um país de dimensões quase planetárias contra a maior Talassocracia (de talasso, referente ao mar), um país que através dos mares projeta e exerce seu poder mundial. A Guerra Russo-Ucraniana iniciada em fevereiro deste ano se encarregou de turbinar ainda mais a fama de Dugin.

 

James Onnig é professor de Geopolítica da Facamp (Faculdades de Campinas)


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