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PETROBRAS

Bolsonaro é responsável pelo aumento de preços dos combustíveis e do gás; refinaria privatizada cobra mais caro

Vista parcial da Rlam, Refinaria Landulpho Alves de Mataripe, na Bahia, vendida para fundo dos Emirados Árabes

05 de maio de 2022 - 10h00

Mais uma vez preços do petróleo e distribuição de renda

 

Por Jose Sergio Gabrielli de Azevedo

A Petrobras apresenta novamente grandes lucros e os seus acionistas estão muito satisfeitos. Os consumidores reclamam dos preços altos dos combustíveis e a grande imprensa, e muitos ditos “analistas”, acusam a Guerra da Ucrânia como a principal responsável, frente a uma “lei divina” de preços internacionalizados para os derivados.

Se é verdade que os preços internacionais do petróleo cru tendem a crescer em todos os lugares do mundo, com um mercado internacionalizado, o mesmo não ocorre com os derivados de petróleo, que dependem de situações específicas dos mercados locais.

Para os países produtores e exportadores de petróleo, os preços altos aumentam a sua arrecadação fiscal e melhoram seus fluxos na balança comercial, reduzindo pressões para elevação da taxa de cambio.

Os grandes produtores vêm aumentando sua capacidade doméstica de refino para tentar controlar com seus custos de produção nacional as margens dos refinadores e distribuidores, sejam eles empresas estatais, sejam empresas privadas.

Todas as vezes que os preços do petróleo disparam e seus aumentos impactam os preços domésticos, pressões sociais e econômicas se insurgem contra essa fase do ciclo, buscando ou compensar os consumidores pela alta dos custos dos derivados ou modificar a distribuição da renda petroleira entre os vários segmentos envolvidos nessa complexa indústria, que vai do poço ao posto.

Entre outros países, a Itália, o Reino Unido e até os Estados Unidos começam a discutir a utilização de tributação excepcional sobre os lucros, para capturar os ganhos extraordinários que a elevação dos preços do petróleo cru traz para as empresas produtoras, sem resultar de decisões próprias dessas empresas, gerando uma gigantesca renda petroleira excepcional.

Os lucros da Petrobras são um exemplo dessa acumulação de lucros, ainda que no Brasil essas políticas de tributação não encontrem guarida na correlação de forças, hoje existente no país.

Ao contrário, os lucros da Petrobras em relação ao seu patrimônio líquido são o dobro de outras petroleiras em situação similar e três vezes maiores do que o retorno sobre o equity (ROE) da britânica BP, por exemplo.

Nos países altamente importadores de derivados, como na maioria dos países da União Europeia, Japão e vários países das Américas, da África e Asia, medidas fiscais são adotadas para introduzir uma cunha entre os preços dos importados e os efeitos sobre os mercados domésticos, controlados pelos importadores responsáveis pelo suprimento nacional desse indispensável produto para as economias contemporâneas.

O mundo se acostumou, desde finais do século 19 até pelo menos os anos 1970 do século 20, a longos períodos de preços baixos, que viabilizaram uma enorme expansão industrial, de mobilidade internacional crescente de pessoas e cargas, com modais de transporte altamente dependentes de derivados de petróleo.

A partir desse final de século e principalmente no século 21, os ciclos de altas de preços se tornaram mais frequentes e com amplitudes maiores, em níveis absolutos de consumo mais altos do que no passado, apesar do avanço da legislação e regulação que procuravam desestimular o uso dos combustíveis de origem fóssil, estimulando a sua substituição por fontes primárias de energia renováveis.

Os preços altos dos combustíveis fósseis, dominantes em países escandinavos, alguns países europeus e no Japão, grandes importadores de derivados de petróleo, eram usados para conter a expansão de sua demanda, enquanto em países como a China e Índia, com grande crescimento econômico, com inclusão de milhões de pessoas na economia monetária, o acesso às fontes de energia impediam a adoção de políticas de preços altos.

Estão nesses países e no Oriente Médio a maior parte dos novos projetos de expansão de refino no mundo.

Essas novas refinarias tem um grau de complexidade bastante elevado, tamanho compatível com a redução de custos por escala de produção e são, em geral, integrados com complexos petroquímicos e de produção de fertilizantes nitrogenados.

Esses países ponderam nas escolhas dos projetos de expansão do refino as questões importantes da segurança energética, tanto na garantia do suprimento das fontes de energia, como nos seus preços para garantir a mais ampla acessibilidade.

A segurança energética também é parte fundamental das políticas de segurança nacional das grandes potências, como os Estados Unidos, Rússia e outras grandes potências do mundo.

No Brasil, não. Aqui a nossa política de abastecimento tira o significado de segurança energética do suprimento de combustíveis, que passam a ser tratados como mercadorias quaisquer, como se fosse possível adquiri-los a preços adequados em prateleiras, feiras livres e/ou em um idílico mercado livre e competitivo.

Não. O mercado de combustíveis é um mercado estratégico, oligopolizado, controlado por grandes empresas, tanto privadas como públicas e sofre enorme influência de fenômenos geopolíticos, além do volume de seus fluxos de capitais acabar afetando, e sendo afetado, por movimentos especulativos dos mercados financeiros, mais do que as lógicas de oferta e demanda de cada derivado.

Além das pressões diplomáticas, políticas e mesmo militares para garantir o suprimento das grandes potências, os mercados de petróleo e derivados acabam também sofrendo os efeitos dos processos de valorização de ativos financeiros e alocação de investimentos de grandes fundos, que deslocam capitais entre vários setores da economia.

Dado o seu efeito disseminador das elevações de seus preços sobre vários setores da economia, as fases de altas dos preços do petróleo são também acompanhadas de crises políticas, que se espalham principalmente nos países importadores de derivados e sem produção nacional significativa.

Governos são derrubados, políticas são mudadas. Mesmo guerras e conflitos se aprofundam.

No Brasil, somos um país que produz petróleo suficiente para atender a maior parte do consumo nacional de derivados, mas optamos, até agora, por exportar petróleo cru, diminuir a utilização do parque de refino da Petrobras, que está sendo desmontado com vendas para empresas que desintegram o refino da produção de petróleo e aumentam a dependência do fornecimento de derivados das importações.

Para as empresas que adquirem as refinarias, como é o caso da antiga RLAM, a Acelen busca suprimento de cargas ou via importações de petróleo cru ou compra de carga produzida nacionalmente.

Em ambos os casos, as referências de preços são os preços internacionais, mas o seu repasse para o consumidor de derivados no Brasil depende da política de governo e das políticas dos importadores e dos refinadores.

Sem uma regulação dos lucros e ganhos das exportações do petróleo cru, a tendência dos produtores é se apropriar da maior parcela da renda petroleira advinda das diferenças entre o custo de produção doméstico do produto antes do refino e dos preços internacionais, que refletem as questões geopolíticas e movimentos especulativos financeiros.

Para os refinadores integrados, como é o caso da Petrobras, essa apropriação da renda se dá com os Preços Internos de Transferência (PIT) que atribuem ao petróleo usado no parque de refino da empresa não o seu custo de produção, mas seu preço internacional, como se importado fosse.

Para a Acelen, o preço do petróleo segue os preços internacionais e não há motivos para a Petrobras agir de forma diferente, a não ser que haja regulação específica sobre o assunto.

Quanto aos preços dos derivados, a redução de carga processada nas refinarias até 2019 e sua retomada a ritmos lentos nos últimos dois anos, com o aumento da dependência das importações de gasolina, diesel e gás de cozinha internacionalizam os preços dos derivados.

No médio e longo prazos, a única forma de minimizar as flutuações dos preços internacionais sobre os mercados domésticos de derivados é ampliar a capacidade nacional de refinar o petróleo cru dos países que têm produção suficiente nas fronteiras nacionais, como é o caso do Brasil.

O uso de fundos de estabilização como formas de reduzir as flutuações dos preços dos derivados, utiliza as variações dos preços de petróleo dos países exportadores que captam recursos nos momentos de preços altos e subsidiam os consumidores de derivados nos momentos de preços baixos.

Dependendo da estrutura de mercado do downstream dos diversos países, esses fundos de estabilização também transferem a renda petroleira entre os agentes do setor.

Pensar em um fundo de estabilização neutro, ao mesmo tempo em que se acredita na mitologia da inevitabilidade dos preços internacionalizados do petróleo vai necessariamente fortalecer a apropriação da renda petroleira pelos acionistas das empresas produtoras, dos refinadores independentes e dos importadores, além dos exportadores de petróleo cru.

Essa distribuição de renda é uma escolha política e depende fortemente da política de governo.

 

Jose Sergio Gabrielli de Azevedo é economista, professor titular aposentado da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP)


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