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GUERRA NA UCRÂNIA

Petroleiras do ocidente se aliam a seus governos no boicote à Rússia e colocam interesses de acionistas em segundo plano

Foto: Divulgação British Petroleum

07 de março de 2022 - 01h45

Muitas mortes na guerra: inclusive a dita governança corporativa

 

Por Jose Sergio Gabrielli de Azevedo 

A guerra faz muitas vítimas. O impacto humano é enorme, mas os efeitos políticos e econômicos não podem ser desconsiderados. A mudança dos comportamentos das instituições revela as pressões das guerras.

A guerra da Ucrânia é mais um caso de mudanças decorrentes de pressões políticas, que viram movimentos militares, econômicos, diplomáticos e mudanças de comportamento de empresas e governos.

Vamos nos focar nas empresas e nos mercados de petróleo e gás. A Ucrânia é um centro de passagem fundamental para o suprimento de gás natural da Rússia para a Europa Ocidental que recebe uma grande parcela do seu gás dos campos russos transportados por grandes gasodutos.

Antes dessa guerra, no início do século 21 houve uma crise no abastecimento do gás natural com a decisão ucraniana de se rebelar contra a Rússia e exigir maiores tarifas de transporte, acendendo o alerta da segurança energética sobre o produto, que ressaltou a característica estratégica da segurança nacional do produto, não podendo ser considerado apenas como uma commodity qualquer, como queriam fazer crer os defensores da mitologia dos mercados eficientes e dominantes.

Não, as gestões dos Estados sobre o suprimento e preços eram mais relevantes do que os objetivos de curto prazo dos acionistas das empresas de energia.

Estratégias foram definidas para diversificar as fontes de suprimento e novas rotas de gasodutos foram construídas. O Nord Stream 2, que segue rota semelhante ao Nord Stream 1, debaixo das águas geladas do Mar Báltico, liga a Rússia à Alemanha, sem passar pela Ucrânia foi uma dessas iniciativas.

Bilhões de dólares foram investidos numa conturbada obra que sofreu forte oposição dos Estados Unidos, de alguns países europeus e da própria Ucrânia, temerosa de perder seu papel como centro de passagem do gás.

O Nord Stream 2 está pronto para ser operado neste momento de elevação dos preços do gás natural devido ao aumento da demanda da recuperação chinesa que aumentou os preços do GNL (Gás Natural Liquefeito) na área da Ásia-Pacífico, reverberando para a Europa, com desvio de cargas para os mercados de preço mais altos.

O alto preço do gás aumenta as contas de energia para os europeus, mas mesmo assim, o Nord Stream 2 não entra em operação por decisões políticas da Alemanha, na espera da evolução da guerra e, agora, depois de sua eclosão, como forma de pressionar a Rússia, fazendo o governo de Berlim se associar aos interesses de Washington e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Questões políticas e militares falam mais alto do que as questões econômicas.

Recentemente a BP (British Petroleum), empresa privada britânica, que já foi uma estatal, decide sair do capital da Rosneft, russa, também ex-estatal russa, com prejuízos de mais de 20 bilhões de dólares. Os seus representantes renunciaram ao Conselho de Administração da empresa russa, rompendo uma parceria de muitos anos que fazia da BP a maior empresa internacional com investimentos na Rússia.

A BP detinha 19,75% do capital da Rosneft desde 2013, operando na Rússia há mais de 30 anos, mas o presidente do conselho da empresa britânica Helge Lund, ex-CEO da Statoil (Equinor) faz uma declaração claramente política, sem bases econômicas, para justificar a saída, contra a “agressão russa à Ucrânia”, refletindo a posição do governo inglês, muito mais do que os interesses dos acionistas privados da própria BP.

Bob Dudley, que havia sido CEO da BP, era diretor da Rosneft desde 2013 e também renunciou com discursos claramente políticos.

Rosneft responde por cerca de metade das reservas de petróleo e gás da BP e um terço de sua produção e, portanto, não tem uma relação secundária, mas é fundamental para os resultados da empresa privada britânica.

Sem deixar claro como ocorrerá a saída do capital da empresa russa, a empresa britânica deverá modificar a contabilidade de seus ativos na Rosneft, deixando de ser uma empresa com participação na gestão, para manter uma relação diferenciada, o que impactará os próximos resultados, ainda que os efeitos sejam nesse momento, sem repercussões sobre o caixa da BP.

Segundo o International Financial Reporting Standards (IFRS) quando a participação em outras empresas deixa de ser uma participação significativa nas decisões da investida, os investimentos precisam ser tratados como investimentos financeiros, avaliados a “valor justo” (fair value), modificando os registros dos ativos nos balanços. Os impactos serão somente sobre o resultado contábil.

As internacionais Total, francesa e a anglo-holandesa Shell também têm grande presença na Rússia e estão sob forte pressão dos governos de suas sedes para seguir posição semelhante de isolamento da Rússia e utilização da pressão econômica para reforçar os movimentos militares e diplomáticos.

As duas multinacionais já adotaram posições próximas a seus governos em situações políticas conflituosas em outros momentos da história.

Apesar de empresas privadas, as questões de segurança nacional muitas vezes falam mais alto do que os interesses dos acionistas de curto prazo, levando a adoção de posições que provocam prejuízos no curto prazo, mas estabilizam as relações políticas com os governos no longo.

Sem o apoio dos seus governos, essas petroleiras teriam muito mais dificuldades de defender seus interesses e ter acesso às reservas pertencentes, na maioria dos casos, aos vários governos onde os reservatórios se encontram.

Shell decidiu também sair da Rússia, na mesma toada política. Ela pretende sair de suas joint ventures com a Gazprom, abandonando também sua participação no Nord Streeam 2. Ela deixa os 27,5% da planta de GNL de Sakhalin II, metade dos investimentos na Salym Petroleum Development e no projeto de energia Gydan. A ótica geopolítica falou mais alto do que os resultados de curto prazo.

Exxon, gigante americana com capital pulverizado nas bolsas, ainda não se pronunciou sobre sua participação na região conflitada, mas já está tendo dificuldade de realizar pagamentos aos seus trabalhadores e fornecedores, porque os bancos utilizados para essas operações sofreram as sanções adotados pelos governos ocidentais, estando limitados em suas capacidades de transferência internacional de recursos.

Há notícias de que a Exxon está utilizando sua influência política sobre o governo de Biden para reduzir o alcance das medidas de restrição econômica sobre as atividades de energia, incluindo a comercialização de produtos como o petróleo e o gás, assim como suas operações financeiras.

Não está claro quem influenciará quem: se o governo e seus objetivos estratégicos ou a empresa, com seus interesses comerciais afetados.

Daleep Singh, assessor de Biden para economia internacional afirmou que as sanções não atingiriam os fluxos de produtos energéticos provenientes da Rússia que, segundo ele, têm “importância sistêmica para a economia mundial nesses mercados”.

Exxon mantém apenas a parceria com a Rosneft no conturbado e caro projeto das Ilhas Sakhalin, já tendo saído de outros projetos russos desde 2018, também seguindo, antes da guerra, as pressões do governo americano para reduzir a exposição das empresas dos Estados Unidos na Rússia.

Equinor, antiga Statoil da Noruega, segue os mesmos passos da BP e da Shell anunciando a não realização de novos investimentos e sua saída da Rússia.

O Fundo Soberano da Noruega, o maior investidor individual do mundo, com patrimônio de mais de 1,4 trilhão de dólares, originado das receitas do petróleo norueguês, tinha 0,2% de seus investimentos em ações alocados em empresas russas.

Norges Bank Investment Management, braço do BC da Noruega para administrar esse portfólio teria, como missão, garantir segurança e rentabilidade de longo prazo para suas aplicações. Decidiu, seguindo orientações do governo, congelar suas movimentações, nem comprando, nem vendendo, as suas ações na Rússia.

Do lado russo, apesar do cerco que o Ocidente vem fazendo aos seus fluxos financeiros, duas grandes empresas energéticas, –Gazprom e Rosneft– ambas com ações negociadas na bolsa de Londres, ainda permanecem operando, gerando caixa para o estado russo.

As cotações de suas ações caíram na esteira das notícias da guerra, da mesma forma que todas as companhias com operações na Rússia. O comércio de gás e petróleo continua estratégico para as várias nações e as medidas de sanções contra o governo de Putin vêm poupando as duas energéticas, que mantêm suas operações de compra e venda. Os acionistas, privados e o governo russo, agradecem, mesmo que seu valor nas bolsas seja menor.

Alguns podem justificar que há uma situação de guerra e sua excepcionalidade pode explicar essa contradição entre resultados de curto prazo para os acionistas e objetivos de longo prazo para os governos.

Quero, no entanto, enfatizar que no caso das empresas de energia as relações entre objetivos dos acionistas privados e dos governos frequentemente se contradizem e a segurança energética muitas vezes prevalece sobre os lucros fáceis dos preços altos do petróleo, do gás natural e eletricidade, além dos combustíveis.

Jose Sergio Gabrielli de Azevedo é economista, professor titular aposentado da UFBA (Universidade Federal da Bahia), pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP)


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