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DIA DO JORNALISTA

México é país mais perigoso para jornalistas; em duas décadas foram mortos mais de 150 profissionais

Painel com o rosto de jornalistas que engrossam a macabra lista de profissionais executados no México

07 de abril de 2022 - 09h29

México: um país perigoso para jornalistas

 

Por Adriana Loche, da Cidade do México

“Votam como vacas de presépio”. Esta foi a reação do presidente Manuel López Obrador a uma resolução emitida pelo Parlamento Europeu, no último dia 10, sobre a situação dos jornalistas e defensores de direitos humanos no México.

Em linhas gerais, os parlamentares pedem às autoridades do governo mexicano, e em especial ao presidente, que se abstenham de publicar qualquer comunicação que estigmatize jornalistas e defensores de direitos humanos, bem como que tomem medidas rápidas, concretas e eficazes que garantam aos jornalistas poder seguir realizando seu trabalho sem medo de represálias.

A resolução não foi bem recebida pelo presidente mexicano que, em um comunicado do governo ao Parlamento Europeu, publicado no mesmo dia, questionou os legisladores europeus, dizendo-lhes que o México já não era mais colônia e que, atualmente, se garantem os princípios de igualdade e democracia, respeitando a liberdade de expressão e o trabalho dos jornalistas.

“O Estado não viola os direitos humanos como acontecia em governos anteriores, quando vocês, aliás, mantiveram um silencio cúmplice”, disse López Obrador no comunicado.

Em sua opinião, os legisladores europeus se somam a uma “estratégia reacionária e golpista de um grupo corrupto que se opõe à Quarta Transformação (como é conhecido seu governo), impulsionada por milhões de mexicanos para enfrentar a monstruosa desigualdade e a violência herdada da política econômica neoliberal que durante 36 anos se impôs em nosso país”.

Ainda que seja certo que as forças reacionárias tentam, de todas as formas, derrubar o legitimamente eleito presidente de esquerda, também é certo que a situação de jornalistas no México é grave, gravíssima, e transcende governos de direita ou esquerda.

Segundo a organização internacional Artigo 19, que promove e defende o direito de expressão e acesso à informação, desde o ano 2000 foram assassinados, no exercício da profissão, 153 jornalistas no México, sendo 141 homens e 12 mulheres.

Apenas neste ano, já foram executados oito jornalistas, número que já ultrapassa em uma vítima o total de mortes que ocorreram no ano passado. Nenhum outro país, fora de uma zona oficial de guerra, representa tanto risco para a profissão como o México.

 

Número de vítimas nos mandatos dos últimos quatro presidentes da República. Fonte: Artigo 19

 

O governo federal não tem competência jurídica para investigar esse tipo de mortes, diferente do que ocorre no Brasil. No México, são os funcionários municipais e estaduais que conduzem a investigação criminal e a persecução penal destes casos.

No entanto, muitas vezes, esses mesmos funcionários públicos (governadores, prefeitos, policiais municipais, juízes e promotores) estão envolvidos em atos de corrupção ou com o crime organizado, o que aumenta o risco daqueles que ousam denunciar as ameaças recebidas.

Este pode ter sido o caso da jornalista Lourdes Maldonado, de Tijuana, morta em 23 de janeiro deste ano.

Em 2019, em uma mañanera, como é conhecida a roda de imprensa diária do presidente López Obrador, ela havia denunciado que sua vida estava em risco devido às denúncias realizadas contra o então governador do Estado da Baja California, do mesmo partido do presidente.

Poucos dias antes de seu assassinato, Lourdes informou em seu programa que divulgaria provas sobre a sonegação fiscal do ex-governador. Com a morte da jornalista, as irregularidades financeiras e fiscais do então chefe do Executivo estadual não puderam ser reveladas.

São muitos os casos em que jornalistas denunciam políticos locais, por seu envolvimento com o crime organizado e, logo depois, aparecem mortos.

Este parece ter sido o caso do jornalista Francisco Pacheco, que tinha um portal de notícias e foi morto em 25 de abril de 2016, na cidade de Taxco, no Estado de Guerrero, um dos mais violentos do país, e onde ao menos 14 organizações criminosas disputam a liderança, entre elas, o Cartel Guerreros Unidos, a quem foi encomendado o desaparecimento forçado dos 43 estudantes de Ayotiznapa, o massacre que se tornou mundialmente conhecido.

Mas não só políticos que utilizam “sicários” dos cartéis para eliminar seus desafetos. Na manhã de 5 de fevereiro de 2014, sequestraram e mataram, na cidade de Coatzacoalcos, no Estado de Veracruz, o jornalista Gregorio Jimenez.

Sua morte foi encomendada pela bagatela de 20 mil pesos (aproximadamente cinco mil reais), pela proprietária de um bar, que servia de fachada para a prática de prostituição, no qual o jornalista investigava o desaparecimento de duas imigrantes.

Estas são apenas algumas histórias de jornalistas executados no México. Por trás de todas elas há um denominador comum: a impunidade, que supera 90% dos casos registrados, segundo dados de distintas organizações que acompanham esses casos. O percentual é reconhecido pelo governo federal.

Uma das poucas exceções é o caso de Miroslava Breach, cujo autor material do crime foi condenado em agosto de 2020.

A jornalista foi morta em 23 de março de 2017, na cidade de Chihuahua, no Estado de mesmo nome, em frente a seu filho de nove anos, quando o levava à escola.

Semanas antes de sua morte, Miroslava publicou informação que vinculava o envolvimento de candidatos a prefeitos de dois partidos (Partido Revolucionário Institucional – PRI – e Partido Ação Nacional – PAN) com o grupo Los Salazares, uma organização criminosa do Estado de Sinaloa.

Miro, a quem conheci, em uma de minhas andanças por Ciudad Juárez, quando trabalhei com funcionários públicos em programas de prevenção à violência, tinha um projeto de inclusão social para adolescentes e jovens em conflito com a lei. Ela queria evitar que a única alternativa deles fosse fazer parte de um grupo criminoso.

Para fazer frente a esta realidade, desde janeiro deste ano, o governo federal está realizando fóruns regionais para impulsionar uma iniciativa de Lei Geral de Prevenção e Proteção a Pessoas Defensoras de Direitos Humanos e Jornalistas, nos quais participam representantes governamentais e organizações da sociedade civil, defensores de direitos humanos e jornalistas. Esperemos que estes fóruns possam concretizar ações que revertam este cenário tão triste no México.

 

Adriana Loche é doutora em Sociologia pela USP (Universidade de São Paulo), reside na Cidade do México desde 2015, onde trabalha em programas de prevenção à violência financiados pela cooperação internacional e é correspondente do Holofote.

 

 


Comentários

Simón Tavera

07/04/2022 - 10h03

Excelente artículo. Es importante diferenciar en la actualidad que existe un sector de periodistas de elite que defienden intereses de grupos empresariales y golpean al actual gobierno como parte de una estrategia de recuperar privilegios y beneficios basados en el robo y la corrupción m. Estos nunca corren peligro! A los que siguen matando m, son periodistas de “a pie” que buscan develar la verdad y señalan cómo funciona el crimen organizado, sus alianzas con gobiernos estatales y municipales, las aspiraciones políticas del sector privado y diversas formas de depredación del medio ambiente como son las empresas mineras extranjeras. Vale la pena consultar, para mayor información, kas entrevistas y trabajos de Julio Astillero, Sabina Berman y Los Periodistas (Álvaro Delgado y Alehandro Varela). Saludos!

José Wanderley Leotti

07/04/2022 - 23h09

Parabéns pelo artigo, é de suma importância que se denunciem as irregularidades praticadas, especialmente no setor público, o jornalismo investigativo são os olhos e a palavra de uma população ansiosa por justiça. Estimo que você tenha muito sucesso também nessa nova empreitada.

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