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RESISTÊNCIA

Maior greve de fome de presos políticos contra ditadura militar completa 50 anos

Detalhe dos mantimentos, que eram levados pelas famílias, colocados para fora das celas

12 de maio de 2022 - 20h34

Por Lúcia Rodrigues

Há 50 anos era iniciada a maior greve de fome da história do país. Atrás das grades, mais de 60 presos e presas políticos enfrentaram a ditadura militar durante 38 dias se recusando a tomar, inclusive, água.

O protesto era para reivindicar que todos os prisioneiros políticos pudessem ficar detidos em uma única prisão.

O articulista de Holofote, o publicitário Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, é um dos ex-presos políticos que participou da greve de fome há 50 anos.

Guerrilheiro da ALN (Ação Libertadora Nacional), ficou preso por quase 10 anos, faltaram nove dias para completar uma década, por ter sido processado em quatro ações da guerrilha, entre elas o sequestro do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969.

Ele recorda a greve de fome de 1972, como um ato de resistência. “Foi uma greve de fome total. Não bebíamos nem água. Nos debilitamos muito, muito, muito. Emagrecemos fantasticamente.”

Mesmo fragilizados, se negavam a tomar até o soro quando eram levados para o hospital da Penitenciária do Estado, na capital paulista.

“Nós éramos amarrados todas as vezes que nos davam soro. Resistíamos, porque o soro é alimento e nós estávamos em greve de fome.”

A greve só terminou quando o núncio apostólico, representante do Vaticano, acompanhado por D. Paulo Evaristo, pediu aos presos que interrompessem o protesto, para que ele pudesse negociar com representantes da repressão.

“Ele nos visitou no hospital da Penitenciária do Estado e pediu para que suspendêssemos a greve. Mesmo sabendo que não ia dar em nada a conversa com a ditadura, usamos isso como pretexto para parar a greve e escrevemos um manifesto.”

A decisão chegou com um dia de atraso ao presídio de Presidente Venceslau, no interior do Estado, onde alguns presos políticos estavam detidos, e que acabaram ficando um dia a mais em protesto, totalizando 39 dias de greve.

“Greve de fome é o extremo”, enfatiza Manoel Cyrillo ao relembrar a greve de fome dos ativistas do IRA, o Exército Republicano Irlandês, que tirou a vida de 10 líderes norte-irlandeses, entre eles Bobby Sands.

Mas a resistência atrás das grades se dá muitas vezes em atitudes singelas. Os presos conseguiam atingir os repressores até mesmo com pedaços de papel colados à parede.

“Anos depois, grande parte dos presos políticos estava na Casa de Detenção, e um belo dia aparece o coronel Erasmo Dias, secretário da Segurança de São Paulo, um puta de um nazista, agressivo, um facínora, e fica possesso ao ver que cada uma de nossas celas homenageava um companheiro morto. Em cada uma tinha o nome e a ilustração, com o retrato do companheiro. Ele começou a gritar e nos xingar de fdp. Como resposta, começamos a cantar a Internacional. Mas ele impôs como punição, a nossa transferência para a Penitenciária do Estado.”

A vida de Manoel Cyrilo foi um périplo por presídios e centros de tortura desde o momento de sua prisão, em 30 de setembro de 1969, em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo.

Foi capturado com a família de Virgílio Gomes da Silva, o comandante do sequestro de Elbrick, quando aguardavam pela documentação para deixar o país. “Eu ia fazer treinamento fora”, relembra.

Dali foi levado para a Oban (Operação Bandeirante), centro de tortura predecessor do DOI-Codi, no bairro do Paraíso, zona sul de São Paulo.

No entanto, sua prisão só foi oficializada ao ser transferido para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), no centro da capital paulista, no dia 16 de outubro, pois a Oban era um aparato clandestino da repressão.

Deixou o Dops pouco antes da morte de Marighella e da queda dos frades dominicanos, e seguiu para o Presídio Tiradentes, também no centro da capital.

Posteriormente passaria pela Penitenciária do Estado e Casa de Detenção, no Carandiru, ambos na zona norte de São Paulo.

Na Penitenciária, ficou nove meses isolado antes de voltar para o Presídio Tiradentes.

“Quando todo mundo foi transferido deixaram a mim, ao Chiquinho, Francisco Gomes da Silva, e ao Celso Horta, isolados em pavilhões diferentes. Fiquei nove meses sozinho. Uma loucura.”

Ele conta que na Penitenciária todos os presos eram obrigados a trabalhar. “Trabalhei como escriturário da vassouraria.”

Aproveitou também para fazer um curso de torneiro mecânico do Senai. “Minha ideia era aprender a fazer armamento. Eu queria fazer metrancas no futuro”, afirma rindo.

Nas duas passagens pela Casa de Detenção foi colocado em pavilhões onde eram postos os presos mais perigosos.

“Fiquei no pavilhão 8, que era a ala dos reincidentes e depois fui para o pavilhão 5, que era o que ficava cercado pelos outros pavilhões.”

Manoel Cyrillo ainda passaria pelo DOI-Codi do Rio de Janeiro, na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, onde ficou preso vários meses aguardando as audiências do julgamento pelo sequestro do embaixador.

Ele ressalta que a política repressora da ditadura militar também avançou sobre a população. “Meu número na Penitenciária, em 1972, era 25.166 .”

Em meados dos anos 1990, quando ele solicitou, ao então secretário da Justiça Belisário dos Santos Júnior, o acesso a ficha prisional, constatou que o número de presidiários na Penitenciária havia saltado para mais de 174 mil.  “É a política de criminalização dos pobres”, enfatiza.

 


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