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DITADURA NUNCA MAIS

SP, Rio e Minas têm principais atos de rua contra os 60 anos do golpe militar nos dias 31 e 1°; assessor de DH do governo Lula participa

Militares golpistas avançam com tanques contra população em 1964. Foto: Arquivo Nacional

29 de março de 2024 - 19h30

Por Lúcia Rodrigues

A capital paulista, o Rio de Janeiro e a cidade de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, serão o palco das principais manifestações de rua que ocorrem no país em descomemoração aos 60 anos do golpe militar, nos dias 31 de março e 1° de abril.

No domingo de Páscoa, 31, a Caminhada do Silêncio, que será retransmitida por Holofote, abre os atos públicos no país, com um protesto em frente ao local onde funcionou o DOI-Codi, principal centro de tortura da ditadura militar, na rua Tutóia, 921, na zona sul de São Paulo.

Ali foram mortos pela repressão durante os Anos de Chumbo, pelo menos 50 presos políticos. As vítimas mais conhecidas são o estudante de Geologia da USP Alexandre Vannucchi Leme, em março de 1973, e o jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, em outubro de 1975.

A concentração para o ato deste domingo começa às 16h, no pátio onde até hoje está abrigado o 36° Distrito Policial.

Na sequência, ex-presos políticos e representantes de movimentos sociais fazem pronunciamentos críticos à ditadura militar e seus desdobramentos que culminaram na tentativa de golpe em 8 de janeiro do ano passado.

Após a manifestação, a passeata silenciosa inicia a caminhada rumo ao Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos, localizado em frente ao Parque Ibirapuera, na avenida Pedro Álvares Cabral, onde o protesto será encerrado.

“No Monumento entoaremos os nomes de vítimas da violência de Estado do passado e presente e teremos uma apresentação musical com o Tobias, da (escola de samba) Vai-Vai, que entoará o Canto das Três Raças“, antecipa o historiador César Novelli, do Núcleo Memória, uma das entidades organizadoras da Caminhada do Silêncio.

Ele pede para que os participantes levem flores e cartazes com as fotos de mortos e desaparecidos políticos da ditadura e de vítimas da violência policial do presente. Além de frisar que a manifestação também cobra a responsabilização dos perpetradores contra os direitos humanos.

O ex-presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, Adriano Diogo, que participará da manifestação, considera que a Caminhada do Silêncio será um sucesso.

“Acredito que terá uma adesão maciça, diante da covardia do governo brasileiro. É na Semana Santa, que há mais de dois mil anos, os cristãos fazem um movimento de memória (que lembra a tortura e morte de Jesus), embora muitos papas tenham tentado obstaculizar essa homenagem”, alfineta.

Marcha reversa

Na manhã de segunda-feira, 1° de abril, às 8h, na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, é a vez de ex-presos políticos, familiares de vítimas da ditadura e ativistas de direitos humanos darem partida na Marcha da Democracia, manifestação inédita que irá refazer o trajeto das tropas golpistas do general Olímpio Mourão no sentido inverso.

A marcha reversa será integrada por um comboio de ônibus e carros que irá percorrer os quase 200 quilometros que separam a capital fluminense da cidade mineira de Juiz de Fora, de onde Olímpio Mourão partiu para depor o governo do presidente João Goulart.

A ideia para a realização da marcha, no sentido contrário a dos golpistas, surgiu no final do ano passado em um congresso de direitos humanos, que ocorreu em Niterói, como sugestão da prefeita de Juiz de Fora, a petista Margarida Salomão.

“Se o governo Lula não se ocupou dessa temática (de descomemoração dos 60 anos do golpe), não quer dizer que a sociedade civil não se ocupe”, ressalta a psicóloga Vera Vital Brasil, do coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação, uma das entidades organizadoras da Marcha da Democracia.

“Temos muito a dizer sobre a ditadura, que influenciou outras ditaduras (no Cone Sul) de forma cruel. O Brasil levou técnicas de tortura para outros países, que mataram. E nós temos o papel de mostrar isso”, enfatiza Vera, que foi presa pela repressão por ser simpatizante do PCBR, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário.

Ela antecipa que seu Coletivo levará, para a marcha reversa, uma faixa que pede a reinstalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta por Bolsonaro 15 dias antes do término de seu mandato.

“É uma pressão para o governo Lula entender a necessidade de respeito aos familiares de mortos e desaparecidos políticos. Não queremos que o bolsonarismo volte, mas não podemos aceitar que o nosso presidente não tenha  reinstalado a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que é fundamental”, enfatiza.

Vera ressalta ainda que Lula deve ter motivos para as atitudes que tem tomado, mas que ela não concorda com isso. “Lula deve ter seus motivos, deve ter tomado a decisão por cautela. Mas lamento que tenhamos de ficar atrelados aos militares.”

Percurso

Do Rio, o comboio de quatro ônibus, batizados com nomes de ativistas que resistiram à ditadura, segue rumo a Petrópolis. A reportagem de Holofote estará no Sonia Angel, combatente da ditadura e companheira de Stuart Edgard Angel, filho da estilista Zuzu Angel.

A ideia inicial da Marcha era fazer um protesto em frente à Casa da Morte, em Petrópolis, onde pelo menos 22 presos políticos foram executados sob tortura pela repressão.

Mas as dificuldades geográficas para que os ônibus acessassem a região onde está localizado o macabro sobrado, acabaram demovendo sua realização.

As chuvas torrenciais que atingiram a região serrana do Rio recentemente, e em especial a cidade de Petrópolis, também vão impedir que uma manifestação possa ser realizada no centro do município, ainda ocupado por máquinas da Prefeitura, que trabalham para a retirada da lama que escorreu pelas vias.

O prefeito Rubens Bomtempo (PSB), que apoia a Marcha, sugeriu que o comboio parasse na entrada da cidade. Ali os manifestantes vão entregar pelo menos 60 quilos de leite em pó para as vítimas das enchentes deste ano.

No local, outro ônibus com ativistas de Petrópolis se integra ao comboio, que segue para o munícipio de Comendador Levy Gasparian, no Estado do Rio, na divisa com Minas Gerais.

Na ponte, que liga as duas cidades, sobre o Rio Paraibuna vai ocorrer um ato político para descomemorar o golpe militar de 1964.

Foi do lado mineiro da ponte, construída no período imperial, que o general Olímpio Mourão estacionou suas tropas antes de seguir para o Rio de Janeiro.

Temeroso que militares do Rio leais a Jango pudessem travar seus soldados, Mourão mandou espalhar  explosivos pela ponte, para dinamitá-la se eventuais opositores tentassem impedir o avanço de seu pelotão.

Em Levy Gasparian, os manifestantes também participam do almoço com feijão tropeiro, preparado por militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

No município fluminense, se integram ao comboio os três últimos ônibus (um vindo do Espírito Santo, um de São João Del Rei e um de Juiz de Fora). Dali, os oito coletivos seguem para sua última parada, em Juiz de Fora.

Não ao golpe

A praça Antonio Carlos, no centro da cidade, estará preparada com cadeiras e cobertura para receber os manifestantes, segundo o secretário especial de Direitos Humanos da Prefeitura, Gabriel dos Santos Rocha, o Biel.

É nesse local, em que por volta das 16h irá começar o ato político em descomemoração aos 60 anos do golpe, que contará com a presença de familiares do ex-presidente João Goulart, como sua viúva, Maria Thereza, e filhos, entre eles João Vicente Goulart. Holofote irá retransmitir a manifestação.

O prédio da Auditoria Militar, em que a ex-presidente Dilma Rousseff foi julgada, estava localizado nessa praça, onde ainda hoje funciona uma unidade do Exército, que mantém estacionado um tanque de guerra de frente para a rua.

Além dos familiares de Jango,  parentes dos primeiros prisioneiros da ditadura militar, quando o general Mourão se preparava para colocar as tropas em marcha, também participam da manifestação.

“No dia 28 de março, Mourão já mandava em Juiz de Fora, comandando as operações Silêncio e Cadeia. As primeiras prisões ocorreram no dia 30”, revela Biel.

Nilmário participa de atos

O assessor especial de Direitos Humanos do governo federal, Nilmário Miranda, participa das manifestações de rua em São Paulo, Rio e Minas Gerais, apesar de Lula ter determinado que membros do governo não se envolvam nas descomemorações do golpe militar.

“Isso não me impede de participar. Nós não temos o prazer de remoer entre aspas. Ele sabe que eu vou aos atos. Estou cumprindo o meu papel”, ressalta Nilmário, que ficou mais de três anos preso durante a ditadura.

“Passei quatro vezes pelo DOI-Codi. A primeira, por distribuir um panfleto mimeografado sobre a greve de Contagem (em Minas). Fui para a clandestinidade após o AI-5. Fui preso pelo Fleury”, relembra.

Considera injustas, no entanto, as críticas que Lula vem recebendo por ignorar a importância da data. “Acho injusto pegar uma coisa e anular o trabalho gigante dele.”

Militante de organizações de esquerda que não pegaram em armas, como POC e Polop, Nilmário diz ver na política que aposta na transformação de antigos centros de tortura em memoriais em homenagem aos que combateram a ditadura, como uma das formas de se passar a história a limpo.

Ele conta que escreveu um livro com o poeta Hamilton Pereira, o Pedro Tierra, e com o jornalista Carlos Tibúrcio, para marcar os 60 anos do golpe militar. A ênfase é na Usina Cambayba, localizada em Campos dos Goitacazes, no norte fluminense, onde pelo menos 12 presos políticos foram mortos e incinerados em seus fornos.

O local, de acordo com ele, está em tratativas para ser transformado em espaço de memória em homengem às vítimas da repressão. “Não existe democracia, com tortura e desaparecimentos. Também estamos desapropriando a Casa da Morte de Petrópolis”, frisa.

Nilmário, que também foi ministro de Direitos Humanos do primeiro governo Lula, afirma que pretende contribuir para que os sete mil requerimentos com pedidos de reparação, que chegaram à Comissão de Anistia, sejam todos julgados até dezembro de 2026.

O ex-preso político também diz querer que a Comissão de Mortos e Desaparecidos volte a funcionar e seja decisiva para a localização e identificação dos restos mortais de todos as vítimas da ditadura militar.

E antecipa que vai acompanhar o comboio do Rio para Juiz de Fora de carro.

Honoris Causa

Antes do ato na Praça Antonio Carlos, Biel conta que a família Goulart também receberá o título Honoris Causa da Universidade Federal de Juiz de Fora, em nome do ex-presidente, por volta das 14h. “A UFJF é a primeira universidade pública a conceder esse título ao Jango.”

O secretário de Direitos Humanos explica que Goulart foi o presidente que mais visitou Juiz de Fora. “Veio em torno de umas oito vezes.”

Na cidade, ainda segundo ele, havia vários apoiadores de Jango, como o sindicalista Clodesmidt Riani, hoje com 103 anos de idade, mas que em função da saúde debilitada não poderá participar das manifestações.

Riani, que à época era membro do PTB, o Partido Trabalhista Brasileiro, mesma legenda de Jango, e CGT, o Comando Geral dos Trabalhadores, dá nome a um dos ônibus do comboio que parte do Rio.

Antes da entrega do Título pela Universidade, às 10h haverá a instalação da placa que dá nome a avenida João Goulart, e que havia sido arrancada há algum tempo provavelmente por setores de extrema direita.

Por coincidência, o projeto de lei que dá nome à avenida João Goulart é do secretário de Direitos Humanos, quando Biel ainda era vereador de Juiz de Fora pelo Partido dos Trabalhadores.

Antes dessa homenagem, Goulart já tivera o nome dado a uma das vias da cidade ainda em vida. A placa foi arrancada por Olimpio Mourão e a avenida rebatizada com o nome dele. Depois passou a se chamar avenida Brasil.

Para não alterar o nome que homenageia o país, Biel escolheu outra importante via aberta na cidade nos anos 2000, para prestar o tributo ao ex-presidente.

 


Comentários

Cid Nelson Hastenreiter

30/03/2024 - 04h10

Falta destacar que o golpe foi engendrado pelos interesses do Imperialismo Americano ,desde o tempo do Kennedy e que aquela facção das forças armadas, composta por milicos entreguistas torturadores e inimigos do povo, foram apenas sabujos de Washington.

Cid Nelson Hastenreiter

30/03/2024 - 05h47

O golpe de 64 teve como pai e padrinho os e.e.u.u.
Foi programado desde o tempo do Kennedy que já havia feito declaração pública de que “não gostava do Sr. João Goulart.”
A facção das forças armadas que deu o golpe se comportou como mero sabujo dos interesses do Imperialismo Americano.

Fernanda

30/03/2024 - 06h28

Parabéns ao Holofote pela apuração e pela reportagem.
Para que não se esqueça! Para que nunca mais aconteça!

Carla Pereira

30/03/2024 - 07h03

Sou paraense filha de assentada residente a 9anos no assentamento João Batista II em castanhal PA,e meu bisavô se chamou João dos Reis Pereira….no período da ditadura ele era militante do Pc em mosqueiro Pa,produzida planfletos no porão de sua casa …. não temos nenhum documento e nem registros …vcs teriam algum site para acessar….o que sei da história dele vem atravéz da minha mãe.

ISABEL LUIZA PIRAGIBE

30/03/2024 - 10h47

Parabéns ao holofote
E a Lucia.
Poderíamos fazer um tik tok
Assim alcançaria MAIS pessoas
Obr

CECILIA MARIA DOURADO DE ARAGAO SANTOS

31/03/2024 - 22h44

ESQUECER, JAMAIS!
PARA QUE NUNCA MAIS ACONTEÇA!

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