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NÃO AO FASCISMO

Violência bolsonarista contra esquerda deve ser enfrentada com militância nas ruas, afirma professor da USP

11 de julho de 2022 - 19h14

A Violência contra o PT

 

Por Lincoln Secco

O assassinato do petista Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu evoca o de Marielle Franco no Rio de Janeiro, o do mestre Moa do Katendê em Salvador e tantos outros. Quando escrevi História do PT li pilhas de documentos com citações de casos de violência política contra a esquerda na fase de “redemocratização”.

Os mais emblemáticos foram os assassinatos dos líderes seringueiros Wilson Pinheiro e Chico Mendes. Poderia agregar a morte do padre Josimo, de Santo Dias e Jesus (vide o filme “Santo e Jesus: Metalúrgicos” de Cláudio Kahns), o crime policial de Leme (SP), o massacre de Volta Redonda… E se recuássemos no tempo encontraríamos antes mesmo da ditadura militar dezenas de dirigentes comunistas assassinados.

Não compreende o fascismo quem ignora que ele não é um parêntese momentâneo e anormal na história, mas deita raízes na própria democracia liberal. O anticomunismo e o antipetismo são manifestações irracionais típicas do fascismo que subsistem a maior parte do tempo no regime democrático.

Antipetismo

Em 1999 a prefeita petista de Mundo Novo (MS) Dorcelina Folador foi morta. Houve repercussão nacional. Ela era uma mulher deficiente física, de esquerda, numa franja esquecida do território nacional.

Eu havia conhecido em Campo Grande as principais lideranças petistas do Mato Grosso do Sul num seminário político. Depois fui à região de Mundo Novo, cidade relativamente próxima a Foz do Iguaçu e à tríplice fronteira. Todo o sul daquele estado exibia vazios impressionantes, distâncias dilatadas, fazendas enormes pontilhadas por acampamentos de sem-terra na beira das estradas. Como era possível organizar-se naqueles espaços em que mandões locais faziam a própria lei? E no entanto, lá estavam o PT e o MST.

Em 2002 a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados produziu o relatório Violência Contra Membros do Partido dos Trabalhadores¹. Entre janeiro de 1997 e fevereiro de 2002 o relatório registrou 129 ocorrências como assassinatos, agressões e ameaças de morte².

A chegada do PT ao governo federal fez com que o antipetismo associasse aos ataques físicos a perseguição judicial (lawfare), mas para isso teve que incorporar novas características.

O petismo e o antipetismo estruturaram a Nova República, mas o antipetismo foi algo mais do que uma linha divisória política. Em seu artigo “Las Mutaciones Históricas del Antipetismo y el Fenómeno Bolsonaro” a pesquisadora argentina Dolores Rocca Rivarola demonstrou que o antipetismo abrange um conjunto complexo de discursos, comportamentos eleitorais, ativismo, valores, sensibilidades políticas etc. mas que mudaram ao longo do tempo. Ela propôs três momentos decisivos.

Para ela, o antipetismo baseado no medo da esquerda nas eleições de 1989 diluiu-se nas eleições de 2002 e foi progressivamente substituído por outro de conteúdo moral, supostamente contrário à corrupção. O escândalo do mensalão foi marcante naquele processo.

Por fim, para a autora o bolsonarismo combinou a onda anti-corrupção (lava jato – processo judicial contra Lula etc.) com o antipetismo original anti-esquerdista e anticomunista. É claro que Dolores Rocca Rivarola sabe que toda periodização impõe limites de tempo para mudanças que não são nítidas. Os momentos, para ela, são pontos de referência.

A resposta do PT e a aposta de Bolsonaro

O PT não é um partido extremista e sua resposta não se dá mediante grupos de autodefesa armados. Ele só pode apostar na massificação e transparência de seus atos públicos. O terror de lobos solitários ou de pequenos grupos paramilitares visa substituir a ação de massas, intimidar os militantes e manter vivo o próprio bolsonarismo.

A resposta da militância é encher as ruas com bandeiras vermelhas e adotar normas básicas de segurança, como a de se dirigir aos atos em grupo. E ao partido cabe defender, dentro da legalidade, os seus eventos.

A irracionalidade e aparente espontaneidade de ações como a que vitimou tantos petistas são uma exigência para a mobilização bolsonarista. Infelizmente, não há no curto prazo uma fórmula democrática para lidar com o fascismo. Ele não existe sem o chamado generalizado para a violência. O fascismo não pode ser contido pelo esclarecimento. Ele só pode ser, quando a correlação de forças o permitir, interditado. Cabe à classe trabalhadora conquistar o consenso majoritário na sociedade civil para isso.

Influência Eleitoral

Os ataques violentos dos bolsonaristas não têm qualquer efeito eleitoral porque a população brasileira está ocupada com a inflação, a estagnação econômica e o desemprego. Seria um quadro perfeito para a vitória de um discurso salvacionista da extrema direita, exceto por um detalhe: ela já está no governo.

Em janeiro de 2018, na contramão dos analistas políticos, eu e alguns companheiros acreditávamos na vitória de Bolsonaro se Lula saísse do páreo³. Em dezembro de 2017, no Datafolha Lula tinha 34% e Bolsonaro 17%. Os liberais creram que proibindo Lula, algum candidato de terceira via como Alckmin, Amoedo ou Ciro Gomes decolaria.

Hoje é diferente. A terceira via é ainda menor e Lula lidera até no sudeste. Em 23 de junho, a pesquisa Datafolha apontou Lula com 47% e Bolsonaro com 28%. Obviamente o quadro pode mudar, mas Bolsonaro dificilmente terá tempo, coragem e instrumentos de política econômica para alterar o cenário. Sua aposta será num golpe de mão. O estímulo aleatório à violência contra o PT faz parte dessa tática.

Diante da derrota à vista o bolsonarismo se prepara para uma grande movimentação de contestação do resultado eleitoral amparada nas teorias conspiratórias sobre a urna eletrônica. A cúpula do Exército, especialmente, acredita que no pior cenário uma tentativa de golpe manterá ativos os bolsonaristas e eles poderão assediar o futuro presidente, tolhendo o seu programa e as ações de reconstrução nacional que a população brasileira mais do que espera, aspira.

[1] Agradeço a Fernando Sarti Ferreira pela indicação do documento.
[2] Havia até mesmo no país uma União das Famílias de ex-Prefeitos Assassinados do Piauí.
[3] Na ausência do Lula, acredito que Jair Bolsonaro cresce. Embora ele não tenha máquina partidária, nós não estamos vivendo em um sistema político estável, como era o que vivíamos até 2013. Ele também é uma força a ser considerada. O problema da direita tradicional, ou do centro, como você preferir, é que vai ser difícil viabilizar um candidato com força, pois há o calcanhar de Aquiles chamado governo Temer e as contra reformas implementadas por ele. Na minha visão, esse centro político se desfez porque ele não tem um discurso para ganhar eleições. Hoje, quem tem discurso é a extrema-direita e a esquerda. A esquerda sem candidato, favorece a extrema-direita. https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/24/politica/1516815938_008656.html

 

Lincoln Secco é professor de História Contemporânea da USP (Universidade de São Paulo), membro do GMarx USP (Grupo de Estudos de História e Economia Política) e autor de História do PT (Ateliê, 5 edição).

 

 

 


Comentários

Maria da Conceição Castro Cordeiro

13/07/2022 - 10h41

Grande artigo, bem assim. Temos que ir a luta e derrubar os de vez o bolsonarismo e o próprio.

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