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7 DE SETEMBRO

Mobilização popular é decisiva para impedir que Bolsonaro use Bicentenário contra democracia

03 de junho de 2022 - 01h31

Brasil: outros 200? O lugar da luta social de rua em um ano decisivo

 

Por Maria Caramez Carlotto

Abril de 2000. Segundo a história oficial do nosso país, completaríamos 500 anos do “descobrimento” do Brasil. A comemoração oficialesca que envolvia a grande mídia, especialmente a Rede Globo, e alguns governos, principalmente o federal e o estadual da Bahia hegemonizados pela aliança PSDB-PFL (depois DEM, hoje Aliança Brasil), planejou uma ampla programação política e cultural que culminaria em uma festa de milhões de reais, para as elites de sempre, em Porto Seguro, Bahia, no dia 22 de abril daquele ano.

Tudo parecia bem, não fosse o povo no meio do caminho. Organizada pelo Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular, a campanha “Brasil: outros 500” inverteu completamente o sentido da comemoração. Presente no Brasil inteiro, mas concentrada numa marcha popular para Porto Seguro, a campanha reuniu partidos políticos de esquerda, especialmente PT e PCdoB, movimento negro, indígena, estudantil, sindicalista, sem teto, sem terra e outros movimentos populares numa simbólica manifestação que resultou em mais de 140 militantes presos e pautou o noticiário de 22 de abril.

A luta social, cristalizada em manifestações de rua, conseguiu uma gigantesca vitória política: impôs os termos do debate sobre o país naquele ano decisivo. Tornou-se impossível falar nos 500 anos de “descobrimento”, sem mencionar a violência e as profundas desigualdades geradas pelo processo de invasão europeia e pela hegemonia da elite branca e masculina ao longo da nossa história.

Estávamos a pouco menos de dois anos da eleição de 2002, e a campanha “Brasil: outros 500” ajudou, de maneira decisiva, a mudar a atmosfera do país em favor de uma agenda popular de combate às desigualdades que marcam a nossa história.

Setembro de 2022. O Brasil completará 200 anos como nação “independente”. Estamos em outro ano decisivo. Certamente, mais decisivo do que aquele 2000. De lá para cá, as contradições históricas do país se intensificaram. Não só como consequência do aprofundamento da crise do capitalismo, a partir do cataclismo financeiro de 2008, mas também da reação da classe dominante aos efeitos de 13 anos de governos populares que, com todas as suas limitações, promoveram políticas efetivas para a população negra e indígena, para a classe trabalhadora, formal e informal, para crianças, jovens, idosos e mulheres, para os pobres do norte e nordeste e das periferias das grandes cidades.

As seculares estruturas sociais brasileiras começavam a se mover em favor dos excluídos de sempre e a resposta veio sob a forma de golpe. Mais um. Do impeachment de Dilma Rousseff à prisão e interdição política de Lula, o golpe de 2016-2018 resultou na eleição de Jair Bolsonaro, que não só aprofundou a agenda ultraliberal apresentada na Ponte para o Futuro, da aliança DEM-PSDB-MDB, como deu vazão à pauta da direita conservadora e autoritária que, dia sim, dia também, violenta as instituições democráticas do país.

Presidente com a maior rejeição de toda a Nova República, Jair Bolsonaro segue em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás apenas da candidatura Lula, que, protagonizada pelo Partido dos Trabalhadores, reúne outros seis partidos progressistas, na mais ampla aliança desse campo em anos.

A resiliência de Bolsonaro se explica, em parte, pelo fato dele ter conseguido organizar um verdadeiro movimento de direita, cujo simbolismo remete, justamente, a um nacionalismo idealizado. O apelo à bandeira e ao hino nacional, aos ideais de patriotismo, à falsa imagem de união nacional e à defesa da nação é uma constante no bolsonarismo.

Como movimento, o bolsonarismo construiu sua maior manifestação de rua justamente em 7 de setembro de 2021, quando centenas de milhares de brasileiros foram às ruas para ouvir o presidente ensaiar o discurso golpista que marca sua campanha hoje, de que o processo eleitoral é viciado e que ele só sairá da Presidência por vontade divina.

É fácil imaginar, portanto, que as comemorações oficiais dos 200 anos de Brasil “independente”, que culminarão na “festa” de 7 de setembro de 2022, serão palco privilegiado da campanha de Bolsonaro, mobilizando as fileiras bolsonaristas às vésperas da eleição de outubro.

Diante disso, cabe perguntar: cadê a organização da campanha popular “Brasil: outros 200?” A pergunta faz ainda mais sentido se considerarmos que no discurso de lançamento oficial da sua pré-candidatura para presidente, Lula escolheu como eixo articulador justamente o tema da soberania.

Soberania pensada não só como independência externa – tema presente em seu discurso –, mas também como resultado de políticas efetivas de combate à pobreza, às desigualdades, à violência e discriminação que atingem tanto as maiorias brasileiras – como pobres, trabalhadores, negros e mulheres – quanto as minorias – como os indígenas, quilombolas e a população LGBTQIA+.

Estamos em um ano decisivo. A luta social, especialmente por meio de manifestações de rua, que é sempre importante, o é ainda mais em anos como esse. E enganam-se os que pensam que se trata de uma política de grandes números. Não é o tamanho das manifestações o elemento decisivo. Mais importante é a sua organização interna, a sua força discursiva e o seu simbolismo.

Foi assim em 2000, na campanha “Brasil: outros 500”, e deveria ser assim em 2022, na ainda mais necessária campanha “Brasil: outros 200”. A não ser que a gente aceite que, ganhando ou perdendo as eleições de outubro, o bolsonarismo imponha os termos do debate sobre o país neste ano decisivo.

 

Maria Caramez Carlotto é cientista social formada pela USP (Universidade de São Paulo), possui mestrado e doutorado em Sociologia pela mesma instituição. É professora da UFABC (Universidade Federal do ABC) na área de Relações Internacionais, com foco em Economia Política Mundial, onde coordena o Grupo de Pesquisa Neoliberalismo, Democracia e Mudança Estrutural do Espaço Intelectual Brasileiro e é articulista do Manifesto Petista.


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