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TREVAS

Bolsonarismo seguirá vivo mesmo com Bolsonaro fora da Presidência

07 de março de 2022 - 10h18

Os filhos do Senhor Keuner

 

Por Mauro Luis Iasi 

As eleições deste ano encontram-se em uma conjuntura que está longe de ser simples. O otimismo exagerado em uma solução eleitoral que encerre o ciclo obscurantista do bolsonarismo pode acabar escondendo suas determinações e, portanto, alimentar o risco de sua continuidade.

Como costuma acontecer, o bolsonarismo é maior que Bolsonaro. As determinações econômicas, sociais, culturais encontram figuras nas quais personalizam  suas contradições e perspectivas. Bolsonaro é o resultado de uma ação desastrada das classes dominantes que acabou fugindo ao controle.

O golpe de 2016 encerrou o ciclo de conciliação de classes e o bloco dominante apostava que a polarização entre a extrema-direita e a centro-esquerda (estigmatizado pelo antipetismo raivoso) acabaria por favorecer a direita ou o centro-direita, o que não aconteceu.

Não se trata de mero erro político, mas da desconsideração de algumas determinações sem as quais o fenômeno do bolsonarismo é inexplicável.

A base da conciliação era a possibilidade de crescimento econômico, com a crise e as medidas necessárias à manutenção da acumulação de capitais, um segmento das classes dominantes julgou que seria o momento de recuperar diretamente o governo colocando um fim melancólico ao ciclo petista.

Mas a almejada retomada do crescimento não veio com as duras medidas tomadas pelo golpista Temer.

A persistência de uma crise econômica foi o terreno favorável que, regado por uma ofensiva ideológica, midiática, jurídica e parlamentar, criou as bases de um profundo ressentimento que foi capturado pelo discurso de extrema-direita.

Evidente que esta captura tem um elemento importante de manipulação, sem falar de esquemas profissionais e milionários e massificação de propaganda dirigida por algoritmos, mas se equivocam aqueles que creem que tal manipulação não encontrou em segmentos de massa o descontentamento no qual poderia frutificar.

As massas reagem à precariedade das condições de existência agravadas pela crise, mas se expressam com a perda de perspectiva e esperança.

Vivemos desde 2013 o aprofundamento de uma profunda crise política, na qual as instituições perderam seu véu ideológico de respeitabilidade, a começar pelo Parlamento que culmina no circo grotesco da cassação de uma presidente eleita, o judiciário que abençoou uma manobra jurídica casuística e sem fundamento e a quebra do mítico equilíbrio dos três poderes.

O que o bloco dominante não supunha é que o vórtice que pretendia sugar o petismo sugaria também os partidos tradicionais da direita e da centro-direita, abrindo caminho para a aventura da extrema-direita.

Entretanto, como sabemos, o bloco dominante nunca joga com apenas uma opção. Uma vez eleito o miliciano desclassificado que personalizou o descontentamento e o ressentimento, esperava-se que ele poderia ser mantido sob controle pelos mesmos mecanismos e instituições políticas que estavam em profunda crise de legitimidade.

Um governo que vinha com uma sustentação em três frentes: o bolsonarismo, o mercado e os militares, com o Supremo e com tudo. O que poderia dar errado?

O que deu errado não foi a implementação da pauta do grande capital monopolista, esta foi implantada à risca, mas o personagem tinha seus próprios interesses.

Bolsonaro se acreditava o redentor e que, em sua cruzada contra uma esquerda imaginária e seu marxismo cultural, salvaria a pátria reeditando o golpe de 1964, agora sob seu comando.

Os delírios de uma pessoa e os ressentimentos que os alimentam não são um problema, mas o fato é que tais intenções, materializadas em atos, criam turbulências desnecessárias ao bom andamento das reformas que o capital exigia.

Apesar do inimigo declarado ser o fantasma do comunismo (espectro que, agora ao contrário de uma revolução, pretendia acabar com a família e a pátria difundindo práticas de homossexualismo, defesa de negros, indígenas e controlando o sistema educacional), as ações intempestivas se voltaram contra as mesmas instituições que pretendiam mantê-lo no cercadinho da institucionalidade: o Parlamento e o Judiciário.

Os descaminhos do miliciano, agravados pelas denúncias que vão desde crime eleitoral até a artigos do Código Penal, só piorou com a pandemia e o negacionismo irresponsável. Isto levou a uma cisão no bloco dominante e a formação de um polo que passou à ofensiva contra o miliciano, polo este que encontrou a Rede Globo como porta-voz.

Ocorre que o cerco midiático, jurídico e parlamentar, que fora suficiente para derrubar grosseiramente uma presidente eleita, parecia não surtir o mesmo efeito sobre o miliciano, mesmo diante de conspirações e ilícitos comprovados.

Sempre avaliamos que isto se devia a duas ordens de fatores: o andamento da pauta do capital e os recursos de poder do miliciano expressos no suposto apoio das Forças Armadas, das milícias e dos aparatos policiais.

Derrubar um presidente que pode – ou pelo menos ameaça – reagir, não parece ser tão fácil ou desejado, uma vez que poderia levar a uma instabilidade política que colocasse em risco as reformas em andamento.

A saída foi um pacto firmado abaixo da linha de visibilidade da República entre os militares, o judiciário e o parlamento pelo qual o miliciano seria mantido no poder prometendo abandonar seus interesses rupturistas.

Ao que parece, os segmentos dominantes que chegaram à conclusão que Bolsonaro é um problema, alteram a tática, passando a desgastá-lo visando sua derrota eleitoral, enquanto buscam construir uma alternativa, a mítica e raquítica terceira via.

Esta tática envolve vários graus de irresponsabilidade. Primeiro, que a manutenção do imbecil na presidência resultou em quase setecentas mil mortes pelo descaso com a pandemia e a prática renitente do negacionismo; segundo, pelo fato que, mesmo com todo o desgaste imposto, o miliciano chega em pé para disputar o pleito deste ano, enquanto os candidatos à terceira via naufragam nas pesquisas de intenção de voto. 

O único que ressurge do vértice da temporada passada é o ex-presidente Lula e desponta como favorito em todas as pesquisas.

Vejam bem, estamos falando de uma crise econômica, de uma crise política que mina a credibilidade das instituições, da esperança que uma polaridade entre bolsonarismo e petismo beneficie uma terceira via que não consegue ir além de um personagem desacreditado por todos (menos pela Globo), um governador de São Paulo sem votos no resto do país e o resiliente Ciro Gomes.

O otimismo que acredita que o miliciano está descartado, seja da direita e sua naufragada terceira via, seja do petismo que se ilude que a fatura já está liquidada ou que é possível remendar o pano esgarçado da conciliação, é mais uma irresponsabilidade que cobrará surpresas.

Mesmo que as previsões de hoje se confirmem, com uma vitória de Lula no primeiro ou segundo turno, o país segue fraturado e o bolsonarismo seguirá vivo, com ou sem Bolsonaro, pois suas determinações não foram superadas.

O mais grave, entretanto, é que as brumas eleitorais escondem que, enquanto se discutem nomes, a tendência é a manutenção, com maiores ou menores correções, de um modelo econômico em crise. A discussão de nomes ocupa o lugar daquilo que deveria ser a discussão de projetos que deveriam enfrentar problemas estruturais e urgentes no âmbito econômico, social e político. 

Brecht através de um de seus personagens, o Senhor Keuner, dizia, quando lhe perguntavam o que deveria ser feito: “não me atrapalhem, estou preparando meu próximo erro”. Parece que muita gente está empenhada nisso.

 

Mauro Luis Iasi é professor associado da Escola de Serviço Social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas (Nepem), educador popular do Neop 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB


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