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REPRESSÃO

Há 53 anos, ditadura militar criminosamente gestou primeiro desaparecimento de preso político

Ilda Martins da Silva, viúva de Virgílio Gomes da Silva, carrega cartaz com a foto do marido durante manifestação em São Paulo

29 de setembro de 2022 - 10h59

Por Lúcia Rodrigues

A morte do dirigente da ALN (Ação Libertadora Nacional) e comandante da mais espetacular ação contra a ditadura militar completa 53 anos nesta quinta-feira, 29. Até hoje seu corpo nunca foi entregue à família.

Virgilio Gomes da Silva, o comandante Jonas, que liderou a captura do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick encabeça a lista de desaparecidos políticos assassinados sob tortura durante os Anos de Chumbo pelos verdugos da ditadura.

Preso na manhã do dia 29 de setembro de 1969, Virgílio foi levado para a Oban (Operação Bandeirantes), o embrião do que viria a se tornar o DOI-Codi, principal centro de tortura da repressão militar, localizado ironicamente no bairro do Paraíso, zona sul da capital paulista.

Brutalmente torturado pelos agentes da repressão, morreria 12 horas depois do início da sessão de suplícios.

Segundo relatos de ex-presos políticos que estavam na Oban, enquanto era seviciado, Virgílio gritava que estavam matando um brasileiro.

A cada pergunta feita pelos torturadores, Virgílio respondia: “Meu nome é Virgílio Gomes da Silva”.

Foi arrebentado na tortura. Teve a cabeça esmagada, os ossos quebrados e os órgãos dilacerados. Só o coração conseguiu se manter preservado, mesmo parando de bater.

Coincidentemente, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, vice-comandante da captura do embaixador americano, foi preso no dia seguinte a Virgilio, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, junto com a esposa do ativista e seus filhos. Todos aguardavam por documentos falsos para poder sair do país. Manoel iria fazer treinamento em Cuba para se engajar na guerrilha rural que a ALN pretendia instalar no campo.

Ele recorda que soube da morte do companheiro, quando estava de cabeça para baixo, pendurado no pau de arara.

“Subi as escadas da Operação Bandeirantes levando muita pancada, porrada pra todo lado. Quando cheguei lá em cima já foram arrancando minha roupa. Quando eu vejo, já estou pendurado no pau de arara, levando pancadas e choques elétricos. E eles gritavam: ‘Matamos o seu comandante. Matamos um brasileiro.’ No começo eu não acreditei que tivessem pego o Jonas. Mas depois constatei que era verdade. Com o pescoço vergado, eu conseguia ver a parede toda manchada de sangue. ”

Mesmo após sua morte, os militares continuaram tripudiando Virgílio. “Ele dizia que estavam matando um brasileiro, e o vestiram com as cores da bandeira nacional e botaram meias vermelhas, como um toque de gozação, de ironia”, ressalta.

Manoel Cyrillo cita um documento dos órgãos de repressão, encontrado pelo jornalista Mário Magalhães, autor da biografia de Carlos Marighella, em que as cores das roupas colocadas em Virgílio são relatadas no laudo assinado pelo médico legista.

“O Jonas foi o primeiro desaparecido político. Ainda não era a política, que meses depois iria se impor (pelos repressores) para companheiros com muita carga de ação ou que vinham de treinamentos no exterior, que passariam a ser sistematicamente assassinados e ter seus corpos desaparecidos.”

Até hoje, mesmo após as investigações da Comissão da Verdade, nenhum de seus torturadores e assassinos foram presos.

Em 2012, ativistas de direitos humanos, ex-presos políticos e parentes de Virgílio participaram de uma manifestação na região da avenida Paulista, em frente ao prédio onde morava Homero César Machado, um de seus torturadores

Apenas em 2004, seu atestado de óbito foi localizado no Instituto Médico Legal. No documento constava a identificação do local para onde seu corpo foi levado. Virgílio foi enterrado na Quadra 47 do Cemitério de Vila Formosa, o maior da América Latina, localizado na zona leste da capital paulista.

Mas 35 anos após sua morte, as quadras do cemitério já haviam sido alteradas e encontrar seu corpo era extremamente difícil.

No final de 2010, uma nova esperança surgiu quando foi localizada no mesmo cemitério uma vala comum. Mas o empenho da família, dos procuradores da República Eugênia Gonzaga e Marlon Weichert, de ex-presos políticos e parentes de mortos e desaparecidos políticos, foi mais uma vez frustrado e as ossadas não foram identificadas.

No local foi construido um memorial em homenagem aos que tombaram combatendo a ditadura militar.

Em 2015, documentos desclassificados pelo governo dos Estados Unidos comprovaram que o governo estadunidense soube do assassinato de Virgilio e de seu desaparecimento, logo após ter ocorrido. O que explicita mais uma vez o envolvimento dos Estados Unidos no golpe militar de 1964 e em sua sustentação.

Hoje o Brasil está novamente nas mãos de defensores da ditadura militar. O presidente Jair Bolsonaro tem como ídolo o ex-chefe do DOI-Codi paulista, o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Manoel Cyrillo frisa que o lema gritado por Bolsonaro e seus seguidores foi derrubado pela própria ditadura militar.

“O fascista do Bolsonaro diz, e os bolsonaristas repetem com orgulho, que a nossa bandeira, jamais será vermelha. Eles precisam saber que a própria Operação Bandeirantes tingiu de vermelho a nossa bandeira, com o corpo, o cadáver do companheiro Jonas. Ele estava vestido de verde, amarelo e vermelho. A própria Operação Bandeirantes fez isso.”


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